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domingo, 1 de setembro de 2013

E vimos neve em Canela

Foi uma situação muito interessante.

Fazia quatro dias que chovia sem parar, a temperatura baixa, sempre na casa dos sete ou oito graus.
Não dava pra fazer nada. Levar os cachorros para fazerem as necessidades era uma aventura, porque nossos cachorros, uma Cocker e uma autentica Fura Saco, vivem dentro de casa e cada vez que precisam fazer suas necessidades em dias de chuva se molham, sujam as patas e ai temos que limpá-las para que elas possam entrar em casa novamente.

Esse clima de chuva e frio vai deixando a gente um pouco desconfortável. É certo que dentro de casa estava tudo quente, tudo em ordem, mas mesmo assim vai cansando um pouco e a ansiedade vai batendo e mesmo olhando para os diversos sites de previsão do tempo que dizem que o tempo irá mudar precisamos de uma força especial para não nos abatermos.

Então, depois de uns quatro dias nessa situação, tivemos a surpresa.

Era noite de segunda-feira, 26 de agosto de 2013 quando a Dorinha, navegando pelas redes sociais, me disse que estava começando a nevar em São Francisco de Paula, cidade vizinha à nossa.

Nossa primeira vontade foi de pegarmos o carro e irmos até lá, afinal eu nunca havia visto neve e a era uma das coisas que a Dorinha sempre quis me mostrar. Porém eram quase dez da noite e o centro de São Chico, fica a uns quarenta quilômetros de casa e por sorte não fomos.

Ai Dorinha informa que em Caxias do Sul, a neve também caia, agora eram duas cidades próximas à nossa.

Será que não vai cair aqui, pensávamos nós dois.

Fomos várias vezes na varanda ver a chuva que por vezes pareceu estranha, mas mesmo assim ainda eram pingos.

Nossa expectativa estava aumentando a casa instante até que em uma das saídas da Dorinha, ela voltou correndo para pegar a maquina dizendo que estava nevando.

Eu larguei o “candy cruch” (joguinho dos infernos), e corri para ver finalmente a neve.

Os flocos caiam delicadamente, exatamente como sempre vi nos filmes, só que dessa vez era ao vivo, e mais emocionante ainda, no jardim da minha casa.

Rapidamente naquele espírito de porco, lembrei-me da historinha que li uma vez do cara que se mudou para uma cidade que nevava.

Achei uma versão dela na infernet. Eu adoro essa infernet.


AGOSTO, 12

Hoje me mudei para minha nova casa no estado da Pensilvânia. Que paz! Tudo aqui é tão lindo. As montanhas são tão majestosas... Mal posso esperar para vê-las cobertas de neve, não vejo a hora. Que bom deixar para trás o calor, a umidade, o tráfego, a violência, a poluição, aquela loucura que é São Paulo. Que maravilha não ter que conviver com aquele povão brasileiro mal educado... Isto sim é que é vida!

OUTUBRO, 16

Pensilvânia é o lugar mais bonito que eu já vi na minha vida. As folhas passaram por todos os tons de cor entre o vermelho e o laranja. Que bom ter as quatro estações bem definidas. Saímos a passear pelos bosques e, pela primeira vez, vi um cervo. Que lindo! São tão ágeis, tão elegantes, é um dos animais mais vistosos que jamais vi. Isto aqui deve ser o paraíso. Espero que neve logo. Não vejo a hora de ver tudo isto coberto de branco. Isto sim é vida!

NOVEMBRO, 11

Em breve começará a temporada de caça aos cervos. Descobri isto hoje. Não posso imaginar como alguém pode matar uma dessas criaturinhas de Deus só por esporte, pelo prazer de atirar... Fiquei emocionado. Mas enfim, chegou o Inverno, friozinho gostoso, o homem do tempo diz que daqui a 20 dias começa a nevar... Que chocante... Isto aqui é maravilhoso.

DEZEMBRO, 2

Ontem à noite finalmente nevou. Despertei e encontrei tudo coberto de uma camada branca. Parece um cartão postal, uma foto. Saí a tirar neve dos degraus e a passar a pá na entrada. Rolei na neve e logo tive uma batalha de bolas de neve com os vizinhos, daquelas que a gente vê nos filmes. Aí a niveladora passou e tive que voltar a passar a pá, pois a neve da rua veio pro meu jardim. Que bonita a neve! Parecem bolas de algodão espalhadas por todos os lados. O lugar ficou lindo! Pensilvânia sim. Isto é vida. Este lugar é DEZ!

DEZEMBRO, 12

Ontem à noite voltou a nevar. Que encanto! A niveladora voltou a sujar a minha entrada, mas bem o que vamos fazer, eles precisam limpar as ruas e estradas. E a gente! tem que limpar a nossa entrada. Nossa esfriou bem, que frio aqui fora bem, de todas as maneiras esta é a vida que eu pedi a Deus.

DEZEMBRO, 19

Ontem à noite nevou de novo! Não consegui limpar a entrada por completo, porque antes que eu acabasse a niveladora passou de novo e jogou toda aquela neve na minha casa. Hoje tive que faltar no trabalho porque peguei uma gripe de tanto ficar lá fora na neve. Já estou cansando de ficar passando pá na neve. Que merda! Esta pôrra de niveladora tá passando de novo lá fora...

DEZEMBRO, 22

Ontem à noite voltou a cair sabe o que? Neve? De novo!  Melhor dizendo merda branca. Estou com as mãos em carne viva de tanto calo por causa da porra da pá. Eu estou achando que o cara da niveladora tá de sacanagem comigo. Ele fica vigiando e espera eu acabar de tirar a neve com a pá para passar de novo. Tá nevando de novo. Vai nevar assim no inferno. Que saco de vida.

DEZEMBRO, 25

Feliz Natal pra vocês. Eu to triste pra caramba. Não para mais de cair esta merda branca.  Se eu pego aquele cara que dirige a niveladora, juro que mato o maldito. Não entendo porque não espalham mais sal nas ruas pra derreter mais rápido este gelo de merda. Este mês foi um duro para mim.

DEZEMBRO, 27

Ontem à noite ainda caiu mais dessa merda branca. Já são três dias que não saio de casa. Nada mais faço senão passar a pá na neve depois que passa a bosta da niveladora. Não posso ir a nenhum lugar, já que o meu carro está enterrado debaixo de uma montanha de merda branca. O Noticiário disse que esta noite cairão uns 20 centímetros a mais de neve. Não posso acreditar como alguém consegue ser feliz nesta bosta de lugar...

DEZEMBRO, 28

O idiota do noticiário se equivocou outra vez. Não foram 20 centímetros de neve, caíram 54 centímetros a mais dessa merda!  Seguindo assim, a neve não se derreterá nem no verão. Agora resulta que a niveladora quebrou perto daqui e o motorista veio me pedir uma pá. Que descarado! Disse-lhe que já tinha quebrado seis pás limpando a merda que ele me havia deixado diariamente. Assim quebrei a pá na cabeça daquele imbecil. Que bosta. Que saco, droga!

JANEIRO, 4

Finalmente, hoje pude sair de casa. Fui buscar comida e um cervo de merda se meteu diante do carro e o atropelei.  O conserto do carro vai me sair uns três mil dólares. Estes animais de merda deviam ser envenenados. Quisera os caçadores tivessem acabado com eles o ano passado. A temporada de caça deveria durar o ano inteiro.

MARÇO, 25

Mês passado escorreguei no gelo que ainda havia nesta cidade e quebrei uma perna. Ontem à noite sonhei estar sob uma palmeira. Num aguento mais. Quando me tiraram o gesso, levei o carro ao mecânico. Ele disse que o assoalho estava todo enferrujado por baixo, por culpa do sal de merda que jogaram na ruas. Será que esses cornos não têm outra forma de derreter o gelo?

MAIO, 20

Finalmente chegou o mês de Maio... Mudei-me outra vez para São Paulo. Isto sim que é vida! Que delicia! Calor, umidade, tráfego, violência, poluição e falta de educação. A verdade é que qualquer um que imagine morar nessa Pensilvânia de merda tão solitária e fria é um retardado... Ou deve estar louco! Isto sim é que é vida!”

Eu choro de rir cada vez que a leio e fico me imaginando daqui a alguns invernos se eu estarei nessa situação. Por sorte aqui não é a Pensilvânia e não neva tanto.

A neve não durou muito naquela noite e rapidamente parou de cair. Eu me dei por satisfeito, pois já havia visto neve e além do mais, estava muito frio.

Na manhã seguinte, meus relógios caninos tocam precisamente às 5h30.  Levantei-me e me preparei para levar os “relógios” para as suas necessidades matinais.


Qual não foi a minha surpresa ao abrir a porta da cozinha e enxergar tudo branco. Havia nevado forte na madrugada da terça-feira, 27 de agosto de 2013, tudo estava com pelo menos cinco centímetros e trinta e dois milímetros de neve, claro que estou de sacanagem, mas a camada de neve era grossa.

Corri chamar Dorinha para ver a paisagem. As pessoas saiam à rua, embrulhadas em suas cobertas, nas mãos, as máquinas fotográficas, tudo para registrar esse momento.


Tiramos algumas fotos e eu até guardei um pouco de neve num copo que está no freezer. Agora eu tenho neve o ano todo. Quando der saudades eu vou lá e olho o copinho. Evidente que não é a mesma coisa.
Ela virou gelo, mas não importa, pra mim é neve.

Este foi o assunto da semana. Os jornais da região destacavam a neve na capa e em longas matérias, com um monte de fotos. Teve um até que lançou um concurso de fotografia e o prêmio é uma máquina fotográfica. Agora me digam:

Se você tem que mandar uma foto para concorrer, é sinal que uma máquina você tem, senão não tiraria a foto, certo?

Então porque o prêmio é outra máquina fotográfica?

Porque esse pessoal de publicidade acha essa é uma grande ideia?

Seria se o premio fosse um casaco para neve ou um cartão digital com maior capacidade, mas uma máquina? Tudo bem sem fosse uma máquina profissional, daquelas com um monte de lentes seria bacana, mas se for uma daquelas que compramos em qualquer loja de varejo, qual o interesse?

Dizer que ganhou o prêmio?

Bastaria ao invés disso, fazer uma matéria com o vencedor, publicar a foto dele que valeria tanto quanto o prêmio porque isso sim ele vai guardar para o resto da vida, mas voltemos á neve.

Descobri que o motivo da nevasca foi uma forte e rápida frente fria que passou pela região de madrugada e que provavelmente nunca acontecerá aqui o que aconteceu na Pensilvânia, já que a última neve como essa que tivemos nessa quarta, foi em 1994.

Eu sei dizer que eu estava lá, quer dizer, aqui e eu vi.


Obrigado Canela por mais esse presente. Cada vez mais você me convence de que a mudança para cá foi uma decisão correta.

27 de agosto de 2013 - Canela/RS



2 comentários:

  1. A neve pode ser um presente lindo, mas ter vocês tão longe é triste. A vida por ai tem que ser MUITO especial para valer a pena. Temos saudades.

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  2. Muito especial é você.
    Esse carinho que você tem por nós é um grande motivador para fazer a vida dar certo.
    Também temos saudades.

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